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  • Foto do escritorSilvana Correia

Fernando Pessoa – O Astrólogo


No dia 13 de Junho de 1888, sob o Sol em Gémeos, nasce Fernando Pessoa. Uma das facetas de Pessoa, que provavelmente poucos conhecem, é sobre a sua paixão pela Astrologia, chegando mesmo a designá-la como – a ciência das ciências. Gémeos é regido por Mercúrio, planeta da comunicação. Na mitologia, Mercúrio era chamado de: “o mensageiro dos Deuses”, aquele que leva mensagens entre os Deuses e a humanidade. Mente genial, foi um grande mensageiro, matou um dos lados de Gémeos, o Gémeo da mente curiosa que se deslumbra, que se dispersa, se engana e se perde na sombra que inebria e limita. Pessoa transcende a dualidade – permitindo ser um dos grandes mensageiros dos Deuses, dos corpos celestes. Entende o significado profundo da mandala astrológica – círculo mágico, que conecta o cosmos ao nosso Eu mais íntimo. De facto, foi um Astrólogo brilhante, possuindo um vasto e profundo conhecimento nesta temática. Tendo por base a sua biografia, esse interesse vinha o seu tetravô, Sancho Pessoa, que tinha sido astrólogo e poeta. Dado os meios muito limitados na época, Pessoa passou horas intermináveis na grande complexidade de cálculos para o delineação dos mapas astrológicos, tudo era feito à mão.


Este interesse por esta linguagem sagrada pelo qual era fascinado, esteve presente na sua vida durante décadas, nos seus frequentes diálogos consigo mesmo, bem como, na procura de um sentido “maior” para a vida e para a humanidade. Muitos dos mapas, foram realizados para si mesmo, no sentido de analisar o seu passado, bem como prever futuros acontecimentos. Na verdade, analisava as várias fases, momentos da sua vida, correlacionando com o “céu” - , movimento dos corpos celestes. Como exemplo, Pessoa estabelece a ligação de eventos astrológicos com factos como - morte do seu pai e do seu irmão; segundo casamento da mãe; sua chegada à África do Sul e o nascimento da revista Orpheu. O mesmo chegou a calcular, com muito proximidade, o ano da sua morte – 1935. A Astrologia foi uma forma também de descoberta do interior dos outros, daqueles que habitavam a sua esfera de relações como: Raul Leal, Sá-Carneiro ou Alexandre de Seabra. Há notas astrológicas, no qual Pessoa analisa personalidades próximas de si, bem como, personalidades no qual qual nutria interesse como: Oscar Wilde, Charles Dickens, Victor Hugo, Shakespeare, D. Sebastião.


A sua paixão pela Astrologia, pelos temas mais místicos, fê-lo criar um heterônimo, Rafael Bandaya. Foi sob este heterônimo que escreveu o Tratado de Astrologia, assinou os mapas astrológicos que realizou, bem como textos de teor astrológico, pensamentos esotéricos e místicos. Cerca de 30000 documentos, que fazem parte do seu espólio, cerca de 2000 documentos são de natureza astrológica – gráficos complexos, textos teóricos. Fazia mapas astrais por encomenda para o país e para o estrangeiro e estabeleceu uma tabela de honorários que variavam entre os 500 e os 5000 reis. Ou seja, este dado é significativo uma vez que assume, esta sua vertente, no sentido profissional.

Importa referir que Pessoa era um místico e que tinha fortes ligações com as ciências ocultas, com a metafísica e o misticismo, especialmente a Maçonaria e a Ordem Rosa-Cruz. Seu ascendente em Escorpião e muitos planetas na casa 8, traduz uma forte carga emocional e uma enorme ligação com o mistério, com a profundidade e com o oculto. De facto, em 1916 traduziu o livro: “A Voz do Silêncio” da Helena Bravastsky, fundadora da sociedade teosófica, bem como, traduziu o poema: “Hino a Pã”, do famoso ocultista e astrólogo Aleister Crowley. Mente genial e astrólogo brilhante, escreve a Aleister a informá-lo sobre alguns erros que o mesmo teria cometido na sua publicação inglesa sobre astrologia. Crowley fica impressionado e vem a Portugal para conhecê-lo pessoalmente. Na verdade, estamos perante um ser complexo, singular, profundo e eclético nos seus interesses. A forma como observada o mundo, era através de uma lente de um visionário, de um sensível, de um místico. O esoterismo estava muito presente na sua obra, na meditação sobre os mistérios da vida e na tentativa de compreender o destino, tanto o seu, como do seu país – Portugal.


Neste âmbito, a Astrologia não é apenas uma arte onde se analisa potenciais acontecimentos neste plano – Terra, mas é sobretudo uma linguagem sagrada que permite conhecer o homem – micro, a evolução da humanidade, a natureza e o cosmos. Sendo genial, e tendo um espírito inovador, leva-no a querer a prática da astrologia mediante novos axiomas, que foi atribuído a Raphael Baldaya – seu heterônimo.


Fernando Pessoa conhecia bem esta ciência, aplicando no seu único livro publicado em vida, a obra prima: “A Mensagem” -, bem como, na realização dos mapas astrológicos dos seus heterônimos mais conhecidos: Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Na verdade, para Pessoa não se trata apenas de heterônimos, mas sim, do desdobramento do seu Eu poético, da sua pluralidade, como se em si vivem-se várias personas, várias tensões, conflitos e procuras. Porém, nessa pluralidade de personas, há também uma necessidade de ficar despedido, nu de cada uma delas, vivendo e sentindo a liberdade de Ser e de criar a todo o momento. É o Tudo, parte do Tudo e o Nada. Há uma metamorfose transformativa a partir destes estados, destes Seres – caminho iniciático. Todos os três heterônimos, foram dotados de uma biografia, de características de personalidade e de uma visão ideológica. Pessoa, tendo por base essa informação, que o mesmo criou, e usando a escrita de Deus – Astrologia, desenhou o mapa astrológico de cada um. A Astrologia, funcionou como um veículo para criar uma estrutura, um sentido maior, uma ordem dentro das suas personas, dos seus fragmentos.


Para Pessoa, fazemos parte do Céu, e há um ciclo cósmico que nos encaminha para um destino, nós fazemos parte desse destino. No livro a “A Mensagem”, imprime a Astrologia na segunda parte do livro, composta por 12 poemas: “O Mar Português” – relação com os 12 signos do zodíaco. Através de uma linguagem simbólica, fala da ligação do Homem com o Céu – cosmos, e de como esse Céu, impulsiona Portugal para o seu importante papel no processo de evolução espiritual da humanidade – Quinto Império. Não é possível compreender, com profundidade, a sua sublime obra literária, sem considerar os seus elevados conhecimentos astrológicos, uma vez que estes estavam plasmado na sua obra. O livro “A Mensagem”, só pode ser entendido, através de uma lente mística, esotérica. É uma visão profética dos sábios, originada por “conversas” com o mundo invisível. Como Pessoa não poderia apaixonar-se por Astrologia, linguagem sagrada e espiritual?


Numa análise astrológica, o regente esotérico de Gêmeos, signo de Pessoa, é Vénus. Nesta qualidade esotérica, – mais elevada, Vénus unifica e desfaz a dualidade da mente de Gémeos, estamos agora ao nível do Amor, da consciência universal. Daí estarmos perante uma obra, um autor sublime que nos toca profundamente e nos expande para uma visão além da dualidade. Pessoa foi um mensageiro dos Deuses, leu o Céu – geometria sagrada dos corpos celestes, como uma carta de Amor de Deus para nós – humanidade.


“Prece” é o XII poema e o último poema da segunda parte do livro “A Mensagem” – “O Mar Português”. Aqui sentimos a energia do 12º signo - Peixes. É a última água, água da transcendência, da dádiva total do Ser, da união total com Deus:

XII - PRECE

Senhor, a noite veio e a alma é vil.

Tanta foi a tormenta e a vontade!

Restam-nos hoje, no silêncio hostil,

O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,

Se ainda há vida ainda não é finda.

O frio morto em cinzas a ocultou:

A mão do vento pode erguêla ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -

Com que a chama do esforço se remoça,

E outra vez conquistaremos a Distância -

Do mar ou outra, mas que seja nossa!


Silvana Correia


Artigo Publicado na Revista Espaço Aberto

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